Neste breve texto vamos tentar entender uma história que foi amplamente noticiada nos últimos dias. De que o STF decidiu ou que reconheceu que a COVID-19 pode ser considerada uma doença do trabalho.

Em 22/03/2020 o governo federal editou a MP 927, que tratava da Flexibilização das relações trabalhistas durante a epidemia pelo COVID-19. O STF recentemente suspendeu a validade de dois dos artigos desta MP – 29 e 30.

O artigo 29 trazia: Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.

Esta conduta do STF deveria ser esperada, pois na justiça do trabalho já ocorre a chamada inversão do ônus da prova, inclusive para alegação de doenças ocupacionais. Isto significa que cabe ao acusado provar sua inocência, e não ao acusador apresentar provas de sua acusação. No caso, quem deve provar que não ocorreu uma doença ocupacional é o empregador. Sempre foi assim. Para qualquer adoecimento ocupacional. Perda auditiva, doenças ortopédicas, doenças psiquiátricas… Se o empregador não comprovar que não adoeceu o trabalhador, o nexo está presumido.

E este “espírito” fica claro quando se analisa os votos de alguns dos ministros do STF. Disseram que não seria possível o trabalhador a comprovação da exposição. Que seria “exigir uma prova diabólica”, segundo suas palavras. Assim, se não há como comprovar onde ocorreu a contaminação – se na comunidade ou no ambiente de trabalho. Novamente, presume-se o nexo.

Analisando o texto do artigo 29 da MP, nota-se que qualquer trabalhador poderia comprovar o nexo causal. Médicos, enfermeiros, operadores de caixa, atendentes, bancários. Qualquer um. Comprovou que foi exposto no ambiente de trabalho, está caracterizado o nexo. Segundo o texto da MP, não há distinção do tipo de atividade que o trabalhador exerce.

Agora que o artigo perdeu a validade, voltamos a atender a caracterização de doença ocupacional, inclusive para Coronavírus, que valia antes da MP.

Vamos na Lei 8.213/91:

Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho:

a) a doença degenerativa;

b) a inerente a grupo etário;

c) a que não produza incapacidade laborativa;

d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.

A Lei é clara em determinar que a doença endêmica não é considerada como doença do trabalho, salvo se é resultante da exposição ou do contato direto determinado pela natureza do trabalho. Somente quando restar comprovado que há contato direto do trabalhador com o próprio vírus ou com pessoas por ele infectadas, em razão da natureza do trabalho, é que a doença endêmica/pandêmica poderá ser considerada como doença do trabalho. Assim, resta possibilidade de caracterização de doença ocupacional apenas a médicos, enfermeiros, e todos aqueles que lidam no atendimento das pessoas enfermas, nos exames de laboratório ou nas pesquisas do próprio vírus. Porque houve contato direto determinado pela natureza do trabalho.

A MP é que ampliava este horizonte de possibilidade de doença ocupacional para atividades nas quais a natureza do trabalho não exige contato direto com contaminados. Antes um operador de caixa tinha possibilidade de alegar que contraiu COVID-19 no supermercado que trabalha. Agora não existe mais essa possibilidade. É uma doença endêmica. A natureza do trabalho não exige o contato direto com portadores da doença.

Mas essa história não vai parar por aí. Decisões são tomadas e revogadas em questões de horas no Brasil. Assim, resta a nós, profissionais de saúde e segurança, atuar para garantir sempre as melhores condições de trabalho, independente da atividade a ser executada. Estamos enfrentando uma pandemia e sabemos que todos estão expostos ao risco de contaminação. Então devemos garantir condições seguras a todos. Independente da natureza de seu trabalho.

Neste período de pandemia, devemos adotar soluções que não eram convencionais anteriormente. Afastamento de trabalhadores do grupo de risco, restrição da quantidade de pessoas por m² nos espaços físicos, pessoas em home-office, uso de máscaras, fornecimento amplo de álcool gel… e aí, temos todas essas ações documentadas?

E caso necessite lidar com um processo judicial ou autuação do Auditor Fiscal do Trabalho, como proceder para demonstrar que a doença não foi contraída no ambiente de trabalho? Aí entramos na complexidade dos sistemas de gestão de saúde e segurança. Todas as ações possíveis e indicadas foram executadas? Como estão os indicadores de saúde e segurança? A execução das ações realizadas e o acompanhamento dos indicadores estão devidamente documentados?

Mas lembrem-se de sempre ter mente. Não trabalhamos com o objetivo produzir provas e documentos. Trabalhamos para preservar a saúde e segurança dos trabalhadores. Façam isso. Ao documentar as ações que foram tomadas para garantir seu objetivo principal, estarão bem embasados caso haja necessidade de algum tipo de contestação.