Em março de 2020 foi publicado o novo texto para a NR-7. Vamos analisar as principais mudanças na norma que rege as atividades do Médico do Trabalho.

Sugerimos que façam o Download da norma completa (disponível no site). Não trouxemos todos os itens da norma para este texto. Focamos nas principais mudanças.

Nossa impressão inicial é que o texto não altera as práticas médicas, em relação ao que já era recomendado como boa prática de medicina do trabalho por diversas entidades de classes. Deixa algumas questões mais claras, textualmente, mas a essência do que já tínhamos na antiga NR-7 está mantida. Algumas alterações que são consideradas importantes já vinham sendo, inclusive, exigidas por Auditores Fiscais do Trabalho (AFT). Outras alterações já vinham sendo aplicadas por leis ou normas de qualidades e forma simplesmente incorporadas ao texto da NR, como a mudança do prazo para realização de exame demissional.

Logo no início da norma notamos a primeira mudança significativa:

7.1.1 Esta Norma Regulamentadora - NR estabelece diretrizes e requisitos para o desenvolvimento do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional - PCMSO nas organizações, com o objetivo de proteger e preservar a saúde de seus empregados em relação aos riscos ocupacionais, conforme avaliação de riscos do Programa de Gerenciamento de Risco - PGR da organização.

Antes havia a determinação de que as ações eram voltadas para promoção e preservação da saúde dos trabalhadores. Não restringia aos riscos ocupacionais. Assim, temos o receio de que importantes ações possam deixar de ser tomadas, com respaldo neste item. Campanhas de promoção a saúde, como hipertensão arterial, tabagismo, alcoolismo não são necessariamente direcionadas pelos riscos ocupacionais presentes no trabalho. Mas não podem deixar de ser executadas, caso aquela população de trabalhadores necessite. No texto anterior não havia este conflito.

7.3.2 São diretrizes do PCMSO:

a) rastrear e detectar precocemente os agravos à saúde relacionados ao trabalho;

b) detectar possíveis exposições excessivas a agentes nocivos ocupacionais;

c) definir a aptidão de cada empregado para exercer suas funções ou tarefas determinadas;

d) subsidiar a implantação e o monitoramento da eficácia das medidas de prevenção adotadas na organização;

e) subsidiar análises epidemiológicas e estatísticas sobre os agravos à saúde e sua relação com os riscos ocupacionais;

f) subsidiar decisões sobre o afastamento de empregados de situações de trabalho que possam comprometer sua saúde;

g) subsidiar a emissão de notificações de agravos relacionados ao trabalho, de acordo com a regulamentação pertinente;

h) subsidiar o encaminhamento de empregados à Previdência Social;

i) acompanhar de forma diferenciada o empregado cujo estado de saúde possa ser especialmente afetado pelos riscos ocupacionais;

j) subsidiar a Previdência Social nas ações de reabilitação profissional;

k) subsidiar ações de readaptação profissional;

l) controlar da imunização ativa dos empregados, relacionada a riscos ocupacionais, sempre que houver recomendação do Ministério da Saúde.

Nas diretrizes, há uma ampliação das ações e responsabilidades do PCMSO, em termos da NR. Novamente já eram ações amplamente praticadas por bons médicos do trabalho. Nas 12 alíneas notamos que a exigência de responsabilidade sobre o médico do trabalho aumentou. O Documento também ficará mais robusto se detalhado no nível exigido pela NR, reduzindo a chance de erro. Se seguidas as diretrizes realmente colocam o PCMSO como um excelente programa de gerenciamento de saúde.

7.3.2.1 O PCMSO deve incluir ações de:

a) vigilância passiva da saúde ocupacional, a partir de informações sobre a demanda espontânea de empregados que procurem serviços médicos;

b) vigilância ativa da saúde ocupacional, por meio de exames médicos dirigidos que incluam, além dos exames previstos nesta NR, a coleta de dados sobre sinais e sintomas de agravos à saúde relacionados aos riscos ocupacionais.

Aqui temos a tentativa de reduzir análises subjetivas. Vigilância ativa e passiva são definições clássicas de epidemiologia. Contudo, o texto antigo trazia a expressão “instrumental clínico-epidemiológico”. Apesar de sabermos que o termo antigo e os novos aqui postos são apenas modos de nomear diferentes, havia diversas discussões e argumentações sobre o que seria este instrumental. Com descrito agora, deixa claro que devemos aplicar ferramentas de análise epidemiológica. Isto ficará ainda mais claro no momento do relatório anual, como veremos mais adiante.

7.3.2.2 O PCMSO não deve ter caráter de seleção de pessoal.

Esta é uma postura antiga dos AFT que foi incorporada ao texto. Quando uma pessoa faz o exame médico admissional, está subentendido que esta já é funcionária da empresa. Assim, mesmo com exame “inapto” a empresa tem que prosseguir a contratação. Este é um tema que sempre causou muita controvérsia entre auditores, médicos do trabalho e empregadores.

Imagine que a empresa esteja contratando um motorista e este está inapto para direção veicular, devido a um exame cardiológico alterado. Segundo opinião dos AFT, contrata-se a pessoa e direciona para outra atividade, na qual haja aptidão ao trabalho, mesmo com a alteração – atividade de escritório, por exemplo.

Na prática, não é um movimento simples de ser feito. Assim, cada empresa tem um procedimento que adota, muitas não contratando a pessoa, mesmo ciente que isto poderá ter repercussões na justiça do trabalho futuramente. A questão é que antes era uma opinião de alguns profissionais da área, mas agora está estabelecido no texto legal.

7.5.3 O PCMSO deve incluir a avaliação do estado de saúde dos empregados em atividades críticas, como definidas nesta Norma, considerando os riscos envolvidos em cada situação e a investigação de patologias que possam impedir o exercício de tais atividades com segurança.

Este item veio para amarrar o PCMSO com atividades como “trabalho em altura”, “espaço confinado”, “operação de equipamentos”. Justifica-se a indicação de exames médicos pela profissiografia do trabalho. Estes exames visam avaliar a capacidade para a execução do trabalho. E não para risco de doença pela exposição a algum risco ocupacional.

Também sedimenta uma velha discussão. Alguns profissionais acreditavam que no PCMSO e no ASO somente poderiam ser relacionados os exames para avaliação de riscos ocupacionais.

7.5.8 O exame clínico deve obedecer aos prazos e à seguinte periodicidade:

I - no exame admissional: ser realizado antes que o empregado assuma suas atividades;

II - no exame periódico: ser realizado de acordo com os seguintes intervalos:

a) para empregados expostos a riscos ocupacionais identificados e classificados no PGR e para portadores de doenças crônicas que aumentem a susceptibilidade a tais riscos:

  1. a cada ano ou a intervalos menores, a critério do médico responsável;

  2. de acordo com a periodicidade especificada no Anexo IV desta Norma, relativo a empregados expostos a condições hiperbáricas;

b) para os demais empregados, o exame clínico deve ser realizado a cada dois anos.

Antes havia um critério para realização de exame periódico a cada dois anos se funcionário sem comorbidades, sem risco associado e entre 18 e 45 anos. Este critério de idade não existe mais. Contudo, nossa expectativa é que esta possibilidade exame bianual fosse extinta. Dois anos é um período muito extenso para se avaliar a saúde de um trabalhador. Também implicará em falhas no momento de se analisar os índices epidemiológicos.

Por exemplo, se em uma empresa tem 100 funcionários e 50 destes fazem exames a cada dois anos, por não terem riscos associados. Em 2019 nenhum teve qualquer diagnóstico. Mas em 2020, 30 deles desenvolveram hipertensão arterial. Como não foram examinados em 2020, teremos uma falha de diagnóstico e planejamento de ação para o ano de 2021. Não teremos uma campanha para Hipertensão, por exemplo. Tal falha somente será identificada e corrigida 2 anos depois. É muito tempo.

Assim, continuamos a realizar e a recomendar a todos que, o prazo máximo de realização de exame periódico seja anual.

7.5.9.1 No exame de retorno ao trabalho, a avaliação médica deve definir a necessidade de retorno gradativo ao trabalho.

Este item foi o que mais deixa espaço para discussões e litígios. A norma deixa claro que DEVE ser definido o retorno gradativo. Primeiro ponto, nem todos precisam de retorno gradativo. Segundo ponto, o que é o retorno gradativo? Fica a critério de cada um? É redução de jornada de trabalho, redução de carga de trabalho, desvio de função?

A impressão é que tentou-se incorporar uma boa prática médica, mas desta forma como foi escrito não contemplou o objetivo. Apenas poderá gerar muito litígio.

7.5.12 Os exames complementares laboratoriais previstos nesta NR devem ser executados por laboratório que atenda ao disposto na RDC/Anvisa n.º 302/2005, no que se refere aos procedimentos de coleta, acondicionamento, transporte e análise, e interpretados com base nos critérios constantes nos Anexos desta Norma e são obrigatórios quando:

a) o levantamento preliminar do PGR indicar a necessidade de medidas de prevenção imediatas;

b) houver exposições ocupacionais acima dos níveis de ação determinados na NR-09 ou se a classificação de riscos do PGR indicar.

Aqui vemos a influência de programas de qualidade. A norma exige que o laboratório cumpra normativa relativa à vigilância sanitária. Nada demais, mas demonstra a preocupação de se tornar o PCMSO um bom programa de gestão.

7.5.13 Os exames previstos nos Quadros 1 e 2 do Anexo I desta NR devem ser realizados a cada seis meses, podendo ser antecipados ou postergados por até 45 (quarenta e cinco) dias, a critério do médico responsável, mediante justificativa técnica, a fim de que os exames sejam realizados em situações mais representativas da exposição do empregado ao agente.

Este item traz uma questão que era levantada, mas acreditávamos ser um pouco ingênua. Se tenho que fazer exames a cada 6 meses, posso fazer um pouco antes ou um pouco depois, por diversas situações que podem ocorrer no nosso dia a dia? Claro que pode. Agora está formalizada a resposta.

Mesmo com o texto anterior – sem esta “margem de erro” – nunca presenciei uma autuação por exame feito com um pouco de atraso.

Contudo, notem que a norma estabelece o uso deste tempo, mediante justificativa técnica. Assim, não podemos usar a justificativa “não fiz antes porque a área não libera o funcionário”.

7.5.19.3 Quando forem realizados exames complementares sem que tenha ocorrido exame clínico, a organização emitirá recibo de entrega do resultado do exame, devendo o recibo ser fornecido ao empregado em meio físico, quando solicitado.

Outra grande discussão que ganha seu ponto final. Posso emitir ASO somente com exames complementares? Por exemplo, ASO para audiometria realizada 6 meses após a admissão ou exames semestrais? Antes alguns emitiam como ASO periódico e outros não emitiam nada.

Agora não se tem dúvida. Não se emite ASO. Emite um recibo. Cada um pode formatá-lo como achar melhor. Mas ASO periódico é somente se houver exame clínico associado.

7.6.1.3 Podem ser utilizados prontuários médicos em meio eletrônico desde que atendidas as exigências do Conselho Federal de Medicina.

Traz uma evolução quanto ao prontuário médico. A guarda continua por 20 anos, mas não precisa ser mais física. Pode ser digital.

7.6.2 O médico responsável pelo PCMSO deve elaborar relatório analítico do Programa, anualmente, considerando a data do último relatório, contendo, no mínimo:

a) o número de exames clínicos realizados;

b) o número e tipos de exames complementares realizados;

c) estatística de resultados anormais dos exames complementares, categorizados por tipo do exame e por unidade operacional, setor ou função;

d) incidência e prevalência de doenças relacionadas ao trabalho, categorizadas por unidade operacional, setor ou função;

e) informações sobre o número, tipo de eventos e doenças informadas nas CAT, emitidas pela organização, referentes a seus empregados;

f) análise comparativa em relação ao relatório anterior e discussão sobre as variações nos resultados.

Esta é a mais importante mudança. O relatório anual deixou de ser uma tabela de números inúteis. Novamente, os critérios aqui descritos já eram comumente aplicados por bons profissionais e já eram exigidos por boa parte dos AFT. Um relatório anual que realmente analisa resultados e direciona ações para o PCMSO.

Na prática da medicina do trabalho, sempre considerei a parte mais importante do registro documental do PCMSO. É o momento que se analisam os dados colhidos e resultados de diversas ações. Que se consolida o trabalho para direcionar o planejamento das próximas ações. É “C” do PDCA. Sem ele, as ações passam a ser empíricas, generalizadas. Com um bom relatório anual é possível ter o diagnóstico exato da sua população de trabalhadores. Com o diagnóstico é possível estabelecer as ações corretas a serem tomadas. Sem um diagnóstico é tudo “achismo”.

7.7 MICROEMPREENDEDOR INDIVIDUAL - MEI, MICROEMPRESA - ME E EMPRESA DE PEQUENO PORTE - EPP

Na sequência do texto temos tratamento especial para MEI, ME e EPP, que obviamente não terão uma estrutura de trabalho complexa que possamos analisar do modo que a NR colocou. Toda esta seção final é voltada para definir tratamento especial em relação a estas empresas. Em resumo:

  1. Se a empresa não tem risco associados, não precisa de PCMSO. Basta uma declaração sobre a inexistência de riscos;

  2. Deve-se realizar o exame ocupacional normalmente. E como não temos riscos, este obviamente será somente exame clínico;

  3. O relatório anual é aquele com somente quantitativo de exames realizados, com exigido antigamente.

Trata-se da legalização do ASO avulso? Na minha opinião, não.

Como consultor de saúde e segurança, tenho a incumbência de apontar quais documentos precisam ser desenvolvidos para cada cliente. Mas continuo sendo o consultor. A definição se precisa ou não de PCMSO parte de nós. O cliente continua precisando dos nossos serviços. Ou cabe a um leigo apontar que certa atividade não possui qualquer risco ocupacional? Assim, teremos o registro documental de vistoria ao posto de trabalho, com a conclusão de que não há risco. E respaldo sobre a parametrização de exames e ausência do PCMSO.

Como abordado no início, trouxemos o que achamos de mais importante nas alterações da norma. Consideramos uma evolução importante em relação ao antigo texto. Está mais claro e objetivo. Além de transformar o PCMSO em um excelente programa de gestão, se bem aplicado.

Continue a nos acompanhar para as próximas análise e revisões!